By Moisés Mendes
José Lutzenberger, o maior ambientalista
brasileiro, disse um ano antes de morrer que gostaria de voltar à Terra a cada
50 anos. Sentado numa choupana do seu paraíso no Rincão Gaia, com o gato
Godofredo como testemunha, contou que viria só para olhar, sem interferir em
nada.
Lutz morreu em 2002, aos 75 anos. Imaginei agora a
cena em que ele, voltando antes do prazo previsto, ficaria diante da ministra
Marina Silva, que esteve com Lula na quarta-feira no Estado.
Marina teria que admitir a Lutz que estamos
perdendo e que a situação piorou. Está pior no Brasil todo e em particular no Rio
Grande do Sul, que vive a sua grande tragédia provocada pelos chamados eventos
climáticos. Tragédias que o homem produz.
Morre e desaparece gente em um terço do Rio Grande
Sul alagado. Muitos dos que se salvarem não terão como voltar para onde
moravam, porque seus lugares não existirão mais, ou estarão condenados a nova
invasão das águas.
Lutz ficaria sabendo, pelos relatos de Marina e de
ativistas do Rio Grande Sul, que o Estado perdeu sua índole ambientalista. A
índole que Lutz formou ao lado dos que eram vistos na época, nos anos 70, como
guerrilheiros da luta ecológica.
Lutz, Augusto Carneiro, Magda Renner, Giselda
Castro, Hilda Zimmermann criaram, em 1971, a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (Agapan) e ganharam projeção mundial. Marina Silva tinha 12
anos e não sabia de nada dessa luta. Greta Thunberg nasceria 32 anos depois.
Lutz era cercado de mulheres de combate. Chico
Mendes defendia a Amazônia e os povos e bichos da floresta. Lutz tentava
defender campos e cidades das agressões de todas as poluições. Enxergava tudo,
as pessoas, os bichos, a terra, as águas, o ar.
Era lindamente irascível, às vezes impositivo
demais, quase sempre tinha pressa. E contava com a cumplicidade valente das
vozes femininas.
Vista aérea de área inundada perto do Rio Taquari,
na cidade de Encantado, no Rio Grande do Sul, são imagens surreais.
O que Giselda Castro fez, nos anos 70, e o que os
estudantes americanos fazem agora, ao exigir que os governos, as universidades,
as empresas e os organismos mundiais cortem vínculos com armamentistas
envolvidos na matança em Gaza.
Giselda era ouvida no Exterior ao apelar para que
instituições como o Banco Mundial deixassem de liberar empréstimos a governos e
empresas que atentassem contra o meio ambiente.
Todos: Lutz, Carneiro, Giselda, Magda, Hilda e
outros pioneiros do que chamavam de ecologismo já se foram. A Agapan ainda
existe, mas a índole ambientalista gaúcha só inspira alguns bravos.
Não temos mais as nossas Gretas Thunberg com
aquele perfil dos anos 70, e o Rio Grande do Sul vai sendo destruído, agora
pelas chuvaradas e pela índole egoísta do negacionismo do clima.
O governador Eduardo Leite, que percorre o Estado
fantasiado com um colete laranja da Defesa Civil, quase desmontou essa mesma
Defesa Civil, desprezada e estrangulada pela falta de verbas no seu primeiro
governo.
Foi Leite quem tomou a iniciativa de enviar à
Assembleia Legislativa, em 2020, o projeto que mudou o Código Estadual
Ambiental, para que as empresas se concedessem autolicenciamentos.
O empresário preenche um cadastro e se
autolicencia, assumindo que vai cuidar daquilo que ele mesmo pode agredir e
degradar. Sob o olhar de uma fiscalização cada vez mais precária.
Agora, em março, a Assembleia aprovou outro
projeto que escancara a porteira para a boiada. Uma lei que “flexibiliza” a
legislação ambiental para a construção de barragens e açudes em Áreas de
Preservação Permanente, as APPs.
O autor do projeto atacado pelos ambientalistas é
o deputado Delegado Zucco, do Republicanos, o mesmo partido do general senador
Hamilton Mourão. O delegado é irmão do deputado federal Coronel Zucco, aquele
da CPI do MST. Todos são dos agrupamentos de extrema direita da base do primeiro
governo Leite.
Se retornasse ao Rio Grande que tentava proteger,
Lutz também ficaria sabendo que não há, no programa do segundo governo Leite,
registrado na Justiça Eleitoral, uma linha sobre questões ambientais. Nada.
Se voltasse hoje, Lutz diria, com seu jeito
sincero e direto, que Leite só poderia continuar usando o colete da Defesa
Civil se assumisse o compromisso de rever tudo o que fez contra o meio
ambiente, incluindo a venda da Corsan, a empresa de água e saneamento do
Estado, pela metade do preço.
Volte logo, Lutz. O Rio Grande negacionista
precisa levar um pito, porque eles tomaram conta de quase tudo e a natureza se
revoltou. Traga junto Augusto Carneiro, Giselda, Hilda, Magda e Godofredo.
*Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes.