Jamil Chade Colunista do UOL, em Genebra
29/04/2024 15h49
Diante das estratégias de desestabilização
implementadas por movimentos de extrema direita pelo mundo, grupos de
resistência e governos começam a reagir. Nesta segunda-feira (29), o presidente
do governo espanhol, Pedro Sánchez, se recusou a renunciar, depois que um
tribunal aceitou uma denúncia contra sua mulher costurada pela extrema direita
espanhola.
No discurso em que anunciou que permaneceria no
poder, Sánchez apontou justamente para o fenômeno que toma a Europa, os EUA, a
América Latina e a democracia pelo mundo: a desinformação como base de uma
decisão política.
“Se permitirmos que farsas deliberadas
conduzam o debate político, se forçarmos as vítimas dessas mentiras a terem que
provar sua inocência contra o Estado de direito. Se permitirmos que o papel das
mulheres seja relegado à esfera doméstica, tendo que sacrificar suas carreiras
em benefício de seus maridos. Se, em resumo, permitirmos que a irracionalidade
se torne rotina, a consequência será que teremos causado danos irreparáveis à
nossa democracia”, alertou.
Sanchez ainda denunciou a tentativa de
“confundir a liberdade de expressão com a liberdade de difamação”.
“Trata-se de uma perversão democrática com consequências
desastrosas”, disse.
Sua decisão de continuar ocorre, segundo ele, por
representar uma resposta ao “movimento reacionário global que visa impor
sua agenda regressiva por meio da difamação e da falsidade”. “Vamos
mostrar ao mundo como se defende a democracia”, prometeu.
A denúncia que abriu a crise política havia sido
apresentada pela entidade Manos Limpias, de extrema direita, contra Begoña
Gómez, esposa de Sánchez. Ela era acusada de tráfico de influência e corrupção
em um suposto caso envolvendo recursos de um resgate do Estado espanhol para a
companhia aérea Air Europa.
Os autores da denúncia reconheceram que
apresentaram a queixa a partir de informações de artigos de jornais, muitos dos
quais eram peças de desinformação. A procuradoria espanhola se negou a embarcar
na queixa. Mas, mesmo assim, um tribunal aceitou examinar o pedido.
Sánchez, ao decidir ficar, adotou uma estratégia
contrária ao caso que chacoalhou Portugal há poucos meses, também com uma
denúncia de corrupção contra o governo socialista em Lisboa e que levou o
Executivo a renunciar. Ao se convocar eleições, a extrema direita mostrou sua
força e chegou na terceira posição.
O caso de Portugal foi considerado em Madri, que,
nos últimos dias, viu uma manifestação de 5.000 pessoas pelas ruas da cidade,
com o lema “por amor à democracia”, e pedindo que o chefe de governo
não renunciasse.
O mundo da cultura na Espanha também reagiu.
“Temos que sair às ruas”, afirmou a atriz Marisa Paredes. “Temos
de gritar e dizer que não voltaremos ao passado”, insistiu. O auditório
Marcelino Camacho reuniu artistas como Luis García Montero, Benjamín Prado e
Miguel Ríos, além da leitura de uma carta de Pedro Almodóvar, em apoio ao
governo.
Eixo EUA-UE
A operação de resposta em Madri ocorre dias depois
de a extrema direita mundial reunir seus principais líderes em Budapeste para
articular uma aliança para avançar nas principais eleições em 2024, em especial
para o Parlamento Europeu, em junho, e nos EUA em novembro. A ideia seria criar
um eixo entre Europa e EUA, comandado pelo movimento ultraconservador.
Parte dessa estratégia pelo poder envolve ainda o
apoio mútuo de líderes de diferentes partes do mundo, cada vez que um deles vai
às urnas. Assim, é esperado que Javier Milei, presidente da Argentina, faça uma
viagem até a Espanha para apoiar o principal comício do partido herdeiro do
franquismo, o Vox, antes das eleições europeias.
Mas, em casa, Milei descobriu a dimensão da
resistência argentina contra suas políticas e o desmonte de políticas de
Estado. Na semana passada, as ruas de Buenos Aires e de outras grandes cidades
do país foram tomadas por milhares de pessoas, que protestavam contra o novo
presidente argentino.
Oficialmente, o movimento era de estudantes e
professores, que resistiam à tentativa de Milei de cortar entre 60% e 70% dos
orçamentos das universidades. O protesto teve o apoio de sindicatos e
trabalhadores.
A extrema direita também recebeu um recado duro
das ruas de Lisboa, quando milhares de pessoas tomaram o centro da cidade para
comemorar, no último dia 25 de abril, os 50 anos da queda da ditadura que
mergulhou o país numa crise sem precedentes.
Nos cartazes que circulavam pelas ruas da cidade,
as referências não eram aos aliados de Salazar, mas à ameaça da extrema direita
em pleno século 21, por meio do partido xenófobo Chega.
O governo de Benjamin Netanyahu, apoiado por
alguns dos principais nomes da extrema direita israelense, também passou a
enfrentar a ira da população nas ruas de Tel Aviv. Em repetidas ocasiões e
mesmo nesta segunda-feira, milhares de israelenses saíram para protestar e
pedir novas eleições. A principal queixa se refere ao fato de o governo não
estar priorizando a liberação dos reféns mantidos pelo Hamas e usando o fato
para justificar a ofensiva militar. “Salvem os reféns de Netanyahu”,
afirmava uma placa levantada pelos manifestantes nesta segunda-feira.
Os atos ecoaram ainda pelas universidades
americanas, causando o maior e mais polêmico movimento estudantil em décadas
nos EUA. Líderes republicanos conservadores pressionam o governo de Joe Biden a
enviar a Guarda Nacional para reprimir os protestos.
Pesquisas de opinião em Israel apontam que a
maioria da população culpa Netanyahu por uma séria falha de segurança nos
ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro.
Mas os aliados da extrema direita de Netanyahu
pressionam o primeiro-ministro a não aceitar qualquer tipo de cessar-fogo,
alegando que qualquer acordo seria o equivalente a uma derrota.